Eu costumo ser mais da prosa que da poesia. Tenho alguns poetas preferidos, mas é comum eu enjoar rápido da estrutura em versos e da forma cantada de se ler. Então foi com surpresa que li em uma única tacada o livro de poesias Não Pararei de Gritar, de Carlos de Assumpção, lançado em março de 2020 pela Companhia das Letras e que recebi através da plataforma NetGalley, em parceria com a editora (Papo Literário é integrante do Time de Leitores 2020).
Não Pararei de Gritar é uma espécie de antologia, que reúne os poemas escritos por Carlos de Assumpção, desde os escritos em 1982 e publicados em seu primeiro livro, até outros recentes, escritos em 2018 e 2019. Seus versos de protesto dizem muito sobre a realidade racista do Brasil, de forma clara, e aberta, resgatando a força e a história de uma população que sofreu e sofre com a violência e o silenciamento todos os dias.
De repente
Duma viatura
Saltam sobre mim
Vários policiais
Com cassetetes revólveres
Metralhadoras em punho
E com ódio no olhar
Me cercam de repente
No meio da calçada
Num círculo de terror
Não me pedem documentos
Não me perguntam nada
Basta a minha cor
Crime
Carlos de Assumpção é descendente de pessoas escravizadas e ouviu de seu avô, que nasceu ainda no período imperial, sobre a luta dos negros por sua libertação, podendo contrapor o que os livros de História contam com a realidade vivida por seus antepassados, preenchendo assim as lacunas e espalhando a outra versão (a que não quiseram escrever nos livros didáticos) com sua poesia.
Carlos de Assumpção tem uma linguagem fluida, rítmica e bela, e uma produção extremamente relevante, por denunciar a realidade de uma população marginalizada. Enquanto lia seus poemas, me questionava sobre o motivo de não saber nada antes sobre o poeta, mas a resposta se mostra bem clara: os holofotes não são dados tão facilmente àqueles de pele negra e mesmo quando eles conseguem se destacar, há uma tentativa de embranquecê-los (são tantos os exemplos, mas para listar apenas dois: Machado de Assis e Maria Firmina dos Reis).
Senhores
O sangue dos meus avós
Que corre nas minhas veias
São gritos de rebeldia
Protesto
O fato de a poesia tão bela, tão necessária e tão arrebatadora de Carlos de Assumpção, que se encontra no alto de seus 93 anos, não ser tão conhecida, diz muito sobre a nossa sociedade. E mesmo que ele não pare de gritar, é necessário que nos disponhamos a ouvir.
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Sou como você e também não sou do tipo que se liga muito em poesias. Mas este livro me chamou a atenção, principalmente por se tratar de uma obra que aborda através de versos um dos períodos mais triste de nosso país.
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É incrível esse livro, né? Achei a poesia dele ao mesmo tempo tranquila de ler, pela linguagem e estrutura, e necessária!
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