Eu já disse em vários momentos da minha vida que não gosto de ficção científica. Isso porque, na minha cabeça, ficção científica sempre esteve ligada a futuros distópicos com robôs querendo exterminar a humanidade e isso sempre me causou um mal-estar danado. Porém, depois de ler Kindred na LC da Nane, livro escrito pela dama da ficção científica, Octavia E. Butler, consegui abrir mais a mente para esse gênero. Afinal, nem tudo precisa ter um robô maligno e humanos fugindo em um deserto.
Dana está tranquila, fazendo a mudança para sua nova casa com seu marido quando, de repente, sente uma espécie de vertigem e se vê transportada para a beira de um rio, onde um menininho está se afogando, Rufus, um de seus antepassados. Após salvar a criança e com a própria vida em risco, Dana retorna a seu lar e ao seu tempo. E isso começa a acontecer com frequência, sempre que Rufus está em apuros. Porém, sendo uma mulher negra no Sul dos Estados Unidos antes da Guerra Civil, ou seja, na época da escravidão, torna o problema de Dana ainda maior e suas viagens ainda mais perigosas.

A possibilidade de encontrar um adulto branco me assustava mais do que a possibilidade de enfrentar a violência urbana da minha época.
Todos nós já ouvimos, lemos e assistimos coisas relacionadas ao período da escravidão ou mesmo da Guerra de Secessão dos Estados Unidos da América. Porém, o que a autora traz em seus escritos, na experiência de Dana, são aspectos cotidianos daquela época, coisas que muitas vezes passam desapercebidas por nós. Porque ainda que saibamos que a vida era dessa forma (e, muitas vezes, pior do que isso), temos a tendência a olhar com distanciamento dos fatos, tratando como registros históricos. Octavia traz a emoção, os detalhes, os horrores e a sobrevivência, com descrições detalhadas do dia a dia dessas personagens.
Fatos esses que reverberam nos dias atuais, cujas heranças podemos perceber nos acontecimentos do presente e cujas relações ficam evidentes em cada comparação que a protagonista faz entre passado e presente, a cada vez que ela se dá conta dos perigos e das expectativas que os outros tem em relação a ela. Aliás, cada um desses momentos é um belo tapa na nossa cara.

Não era um monstro, de forma alguma. Só um homem comum que às vezes fazia coisas monstruosas que sua sociedade dizia serem legais e adequadas.
A autora também toca no problema do racismo estrutural, quando insere um homem branco na história como o marido de Dana. Kevin é um cara legal, se importa com as pessoas, ajuda escravizados a fugirem na calada da noite, parece não ser racista, etc etc etc. Só que ele ainda é um cara branco e privilegiado e que demonstra não ter a real dimensão do que acontece com as pessoas negras no século XIX e demora muito mais para perceber os perigos e horrores da época, apesar de toda a sua boa vontade.
A sensação que temos ao ler Kindred é de que estamos ali, vivendo cada cena ao lado de Dana, assistindo aos mesmos acontecimentos. Apesar de tratar de assuntos fortes e, de certa forma, pesados, a leitura é fluida, envolvente e é praticamente impossível de largar. Não são poucos os relatos de leitores e leitoras que concluíram o livro em pouquíssimo tempo.

Kindred foi o primeiro livro de ficção científica que li e posso dizer que gostei do início ao fim (apesar de a própria autora considerá-lo fantasia). É um livro que se direciona a diversos públicos: quem gosta de história, de viagem no tempo, de assuntos relacionados ao racismo e de quem gosta de um bom livro difícil de largar. Prepare-se para ser fisgado já na primeira página!
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Eu tb sempre afirmei não gostar de ficção científica, praticamente, pelos mesmos motivos que vc citou. Mas pelo que li este livro veio para mudar nossa opinião. Gostei muito da resenha. ♥
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Obrigada, Gio!
Pois é, eu fiquei até confusa quando vi que estava gostando da leitura hahahaha
Mas é como a própria Octavia falou em entrevista, o livro tem muitos elementos que chegam mais próximo da fantasia que da ficção científica, pode ser por conta disso. ❤
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