Se eu te perguntasse qual o seu autor preferido, o que você responderia? Talvez você tenha maior interesse em romances contemporâneos, talvez adore os clássicos, é possível que tenha um gosto peculiar que fuja do lugar-comum, mas as chances de que a resposta seja um nome masculino são muito grandes. E eu não me eximo da responsabilidade, já que provavelmente responderia Victor Hugo, Machado de Assis ou Carlos Drummond de Andrade. Todos homens.
Pensando em falar sobre como o universo literário ainda é predominantemente masculino e em como isso afeta a vida de escritoras e leitoras, pesquisei um pouco a respeito e encontrei esse artigo muito legal da BBC Brasil, de 2018, no qual me baseei bastante para escrever esse texto, mas que aconselho a leitura na íntegra.
A literatura é feita por homens
Por muito tempo (e, infelizmente, até hoje, na mentalidade de alguns muitos), atividades intelectuais eram reservadas aos homens, incluindo a escrita, e as mulheres que ousavam se aventurar em tais meios eram duramente criticadas, pois estavam saindo do padrão “bela, recatada e do lar” exigido delas pela sociedade. Como as escritoras do passado driblaram essa questão? Utilizaram pseudônimos masculinos ou publicaram seus trabalhos de forma anônima.
Foi assim que nasceu George Eliot (Mary Ann Evans), George Sand (Amantine Dupin), Currer, Ellis e Acton Bell (Charlotte, Emily e Anne Brontë), além dos trabalhos anônimos de Jane Austen, que finalizou seu primeiro trabalho com “escrito por uma dama”, e Maria Firmina dos Reis, que assinava como “uma maranhense”. Isso só para citar alguns casos.

E a coisa não mudou muito com o tempo. Se você nunca leu um livro ou nunca assistiu a um filme da saga Harry Potter, ainda assim é provável que você saiba que a franquia é um estrondoso sucesso saído da cabeça de uma mulher (a escritora mais rica do mundo, até o ano passado), que assina como… J. K. Rowling. Ela não abreviou o Joanne e colocou o K emprestado do nome da vó porque achava bonitinho, mas por sugestão do pessoal da Bloomsbury, editora que detém até hoje os direitos dos livros no Reino Unido, que acreditava que pouquíssimos meninos (para não dizer nenhum) se interessariam em ler um livro de fantasia escrito por uma mulher. Após ter recebido diversas recusas de muitas editoras, Joanne Rowling aceitou a proposta.

E não é só ela que assina de forma ambígua seus livros hoje em dia: temos também E. L. James (50 tons de cinza), Gillian Flynn (Garota Exemplar) e R. J. Palacio (Extraordinário). E eu, tão acostumada que estou com a predominância masculina na literatura, quando peguei Extraordinário para ler, achei que tivesse sido escrito por um homem. Qual não foi minha agradável surpresa ao ver a foto dessa incrível autora na orelha do livro quando peguei a cópia física, algum tempo depois de ter lido o e-book. Um tapa na minha cara!

Aí você pode pensar: “mas os trabalhos delas foram aceitos e publicados porque são bons, não por causa desses truques com os nomes”. Concordo que são bons trabalhos, pelo menos os que cheguei a conhecer. Mas, analisando ainda o artigo que já citei da BBC Brasil de 2018, temos um experimento bem interessante que vou citar para vocês:
Em 2015, a escritora americana Catherine Nichols fez a experiência de enviar um manuscrito seu para agentes literários sob um pseudônimo masculino e surpreendeu-se com o número de respostas que teve. Quando mandou o mesmo material usando seu nome, dias antes, teve duas respostas positivas em 50 tentativas. Com o nome masculino e o mesmo material, teve 17 de 50.
Site: BBC Brasil, 2018
Ou seja, as mulheres já encontram dificuldades antes mesmo da publicação, quando seus trabalhos são enviados para a análise das editoras. A própria J. K. Rowling levou diversas portas na cara com seus manuscritos de Harry Potter e a Pedra Filosofal e uma das editoras chegou a reter os capítulos enviados pela escritora e devolveu uma carta bem desmotivadora aconselhando-a a desistir. Falta de talento? Acho que não.
Chick lit – Livro de Mulherzinha
Não faz muito tempo que as mulheres foram admitidas nos bancos escolares. Por muito tempo, a educação feminina se restringia aos cuidados domésticos e, quando muito, aos rudimentos da leitura. Isso pela crença de uma superioridade intelectual masculina generalizada e que à mulher cabia os cuidados da casa, do marido e dos filhos e, no caso das classes operárias, algum trabalho braçal em fábricas, por exemplo. Eram poucas as que conseguiam fugir a esse padrão e, ainda assim, pouco podiam fazer com sua bagagem intelectual.

Dessa forma, toda literatura produzida (com exceção dos manuais de boa esposa) era apreciada e discutida por homens. Porém, conforme as mulheres foram conquistando seu espaço nas escolas e academias, nós também passamos a consumir muito mais literatura. E aí surge o fenômeno da chick lit, gíria depreciativa em língua inglesa para literatura de mulherzinha, em que principalmente livros escritos por mulheres e envolvendo o amor romântico são menosprezados, considerados inferior e “típico de mulheres”. Não preciso nem explicar a carga de preconceito aqui, né?
Um grande exemplo são os livros da própria Jane Austen, que antes eram lidos e discutidos entre os homens e atualmente os rapazes nem querem olhar para as suas capas, por considerá-los inferiores por sua temática ou (principalmente) por ser escrito por uma mulher. E aí voltamos aos casos das escritoras que se utilizaram dos recursos de abreviação ou ambiguidade do nome para não terem suas obras estigmatizadas.

Chick lit é, mais uma vez, só um rótulo arbitrário que a sociedade criou para diminuir as mulheres intelectualmente, tanto na produção quanto no consumo de conteúdos. Preferências não são designados por gênero e não há temáticas melhor ou pior, apenas diferentes. É possível, inclusive, gostar de temas diversos que não apresentam correlação aparente.
Iniciativas que valem a pena
É por isso que as iniciativas em prol das mulheres na literatura tem crescido e ganhado força nos últimos tempos. Existem diversas delas, mas vou citar apenas algumas aqui:
A hashtag #leiamulheres, em que todos que fazem parte do universo literário, desde escritores e editoras até o ávido leitor, podem divulgar mulheres incríveis com trabalhos maravilhosos e dar mais visibilidade às escritoras e à causa.
Algumas editoras compraram a briga e decidiram que era hora de publicar mais mulheres e incentivar a leitura de obras saídas de mãos femininas. É o caso da Editora DarkSide, que tem um selo dedicado exclusivamente à publicação de mulheres, a DarkLove, que completa 7 anos em 2020. Vou deixar o link para o site da editora aqui, caso o leitor e a leitora queiram conhecer mais desse selo. Lembrando que eu já resenhei Só os Animais Salvam, que faz parte desse projeto.

O perfil no Instagram @eulittera fez uma proposta interessante: o leitor deveria fotografar sua estante de livros e depois retirar todos os exemplares que fossem de autores homens, deixando apenas os escritos por mulheres. Em seguida, fotografar novamente a estante e postar o antes e o depois. É uma forma de trazer mais para perto o problema, provocando uma bela reflexão. Eu ainda pretendo participar dessa proposta e colocar as fotos no meu perfil agora no mês de março.
Então se você ainda não me segue no Instagram, procure por @carol.papoliterario, ou clique no símbolo da rede social na barra lateral, caso você esteja acessando o blog de um computador, ou abaixo do post, caso esteja pelo celular. Assim, você não perde as fotos e outras postagens que ainda farei nesse Mês da Mulher.
Para encerrar, gostaria de convidar você, leitor e leitora, para ler mais autoras, desfazer-se dos preconceitos de chick lit que a sociedade nos ensinou e conferir alguns sites interessantes que consultei para redigir esse post e que deixarei os link logo abaixo.
Boas leituras e leia mulheres!
Links interessantes
- Dumbledore (não) é Gay – Louie Ponto
- As escritoras que tiveram de usar pseudônimos masculinos – e agora serão lidas com seus nomes verdadeiros – BBC Brasil
- 10 autoras que publicavam sob pseudônimos masculinos – Revista Cult
- DarkLove: 7 anos em 7 temas – DarkBlog
- Avada Kedavra no Machismo – Minas Nerds
- Perfil Eulittera
- Escritores mais ricos do mundo (2019) – Editora Albatroz
Amei! Essa realidade está em todas as áreas. Precisamos mesmos ler mais mulheres, pois há um universo incrível em seus livros. Eu
Mesma amoooo Rachel de Queiroz e Cecília Meireles! Nós ganhamos muito quando abrimos o leque.
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Que bom que gostou, Fer! Confesso que li muito pouco de Rachel de Queiroz e acho que nada de Cecília Meireles. Taí, preciso mudar esse cenário logo!
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Que post maravilhoso e esclarecedor! Ah, eu sempre li o nome de R. J. Palacio achando que fosse homem.(Que vergonha!)
Precisamos sempre repensar nossas escolhas, se estamos dando o devido valor às obras escritas por mulheres. Temos que nos unir para reparar um pouco desse descaso e vamos ler mais mulheres!♥
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Oi Gio! Acredito que o fato de vermos nomes abreviados e logo atribuí-los a homens vem muito da cultura de superioridade masculina que sempre foi nos ensinada, já que estamos imersas nela. A desconstrução é diária e sempre vamos nos pegar em situações embaraçosas como essas. Mas creio que o mais importante é percebermos o que acontece e nos colocarmos no movimento para a mudança 😉
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